domingo, 22 de novembro de 2009

Contação de Histórias

Contar histórias é uma arte milenar, presente em diferentes culturas. Embora em textos escritos antigos encontrem-se relatos e fragmentos da tradição oral, a preocupação com o registro escrito e a publicação dos contos populares é de certo modo recente. O sistema de transmissão dos contos não se fez uniformemente, assim como o processo de coleta e fixação, que variou de acordo com as diferentes motivações dos coletores e concepções de fidelidade às fontes. A questão não é simples e põe em debate o estatuto da "oratura" (ou "oralitura") em relação à literatura escrita, o jogo da subjectividade e da objectividade, as relações entre cultura erudita e popular, etc.
As coletâneas organizadas no século XIX e princípio do XX oferecem uma oportunidade de se "penetrar no universo mental dos camponeses, nos tempos do Antigo Regime", mas "o maior obstáculo é a impossibilidade de escutar as narrativas, como eram feitas pelos contadores", pois não podem "transmitir os efeitos que devem ter dado vida às histórias" - "as pausas dramáticas, as miradas maliciosas, o uso dos gestos para criar cenas" (Robert Darnton). Na passagem da palavra oral à escrita, embora se ganhe em possibilidades de permanência, perde-se "o grão da voz", como diria Roland Barthes. "Na narrativa oral, a Palavra é corpo: modulada pela voz humana, e portanto carregada de significações corporais; carregada de valor significante. Que é a voz humana senão um sopro (pneuma: espírito...) que atravessa os labirintos dos órgãos da fala, carregando as marcas cálidas de um corpo humano? A palavra oral é isto: ligação de cena e soma, de signo e corpo. A palavra narrada ganha uma inequívoca dimensão sensorial." (Adélia Bezerra de Meneses)
A função social dos contos e a importância do papel que desempenham dependem da época e do tipo de sociedade: nas sociedades tradicionais, as reuniões para ouvir e contar histórias eram práticas generalizadas e integralmente coletivas, como a dos contos à lareira dos camponeses do Antigo Regime, estudados por Darnton; Na sociedade em que vivemos, essas práticas, restritas à esfera da família e da escola, dirigem-se sobretudo às crianças. Recentemente, contudo, observa-se uma intensificação dessa atividade, e a narração de histórias vem-se expandindo significativamente, envolvendo diferentes faixas etárias e conquistando outros espaços. No Brasil, notadamente a partir da década de 90, multiplicam-se os contadores/as de histórias, que, de forma solo ou em grupos, atuam junto a um público variado e em diversos espaços, escolas, hospitais, eventos, internet...
Vale a pena ressaltar que, também nesse âmbito, evidencia-se o pioneirismo de Monteiro Lobato, ao recriar, no Sítio do Picapau Amarelo (1920-44), uma prática coletiva de leitura e contação de histórias com aspectos semelhantes a dos antigos contos de serão, em que adultos e crianças, sem distinção de sexo ou idade, participavam das reuniões.
Maria de Lourdes Soares (Docente na Universidade do Rio de Janeiro)

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